O primeiro detalhe curioso contido na sentença é o modo como Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor e figura central do esquema, se disse “vítima do sistema político”, portanto não agiu dolosamente ao desviar dinheiro, repito, da construção de escolas. É difícil entender a construção mental que leva um sujeito que itiu ter praticado seguidos atos criminosos para desviar dinheiro público e que usou esses recursos para comprar imóveis e carros de luxo a se considerar vítima de algo de que na verdade é beneficiário. 1p223l
Minha despretensiosa tese sobre esse comportamento é que um corrupto nunca se vê como tal. O bandido é sempre o outro. Autoindulgentes, olham para seus crimes sempre com alguma justificativa, como se estivessem ali sem querer, por acaso, ou como se o objetivo dos desvios fosse um bem de tal dimensão que justificasse o caminho torto.
LEIA MAIS: A insatisfação paranaense com a União no dia em que o RJ abocanhou dinheiro do pré-sal
A argumentação de Eduardo Lopes de Souza foi rechaçada pelo juiz.
“Sua condição pessoal e grau de instrução permitem concluir que era plena a capacidade de reconhecer o injusto e de agir de outro modo, uma vez que não havia nenhuma coação ou outro fator externo que o induzisse a cometer os delitos, a não ser a sua ganância e a busca de aumentar seu patrimônio”, escreveu Fischer.
A mesquinhez
Outro ponto particularmente revoltante desse caso é o destino do dinheiro desviado. Além de campanhas políticas, os recursos que ficaram com o empreiteiro foram usados para comprar carros de luxo, entre eles, um Porsche 911 Carrera, um Audi SQ5 e uma Mercedes-Benz A45. Com o dinheiro também compraram jet skis e imóveis na praia, que foram colocados em nome do filho de Eduardo Lopes de Souza. No fim das contas, é difícil fugir da conclusão de que dinheiro público que deveria ir para a educação de crianças pobres bancou carrões e jet skis para a diversão do filho de um corrupto.
A falha da burocracia
Boa parte das estruturas do estado que o tornam grande e lento existem em nome do controle dos atos da istração pública. Em tese, seguidas à risca, as etapas do processo istrativo garantem a lisura das ações do estado independentemente das intenções e do caráter das pessoas envolvidas. No caso da Quadro Negro, entretanto, más práticas dentro do governo do Paraná abriram espaço para desvios. É inconcebível pensar que engenheiros responsáveis pela fiscalização das obras preenchiam relatórios sem ir aos canteiros. Isso permitiu que a construção evoluísse no papel sem que um único tijolo fosse assentado na vida real. Não consigo pensar em comentário mais certeiro que o do próprio juiz do caso.
“Essas atribuições [do cargo] deixam cristalino que é dever do engenheiro que fiscaliza a obra comparecer à obra. Parece óbvio, até porque é óbvio, mas algumas defesas insistem na ideia de que o procedimento de emitir e um relatório de vistoria de obra sem ver a obra é correto”, sentenciou Fischer.
VEJA TAMBÉM: Três obras no Paraná que terão dificuldades em avançar em 2020
Essas vistorias de olhos fechados foram interrompidas uma única vez, segundo a decisão de Fischer, quando o engenheiro e fiscal “Lauro Aldo Goldbach se insurgiu contra a absurda prática de relatórios em desacordo com o que estava sendo executado”. “Se ele o fez, os demais engenheiros também poderiam”, escreveu o juiz. A estabilidade do servidor público, afinal, está aí para sustentar esse tipo de atitude.